quinta-feira, 22 de maio de 2008


O misterioso nevoeiro

Há alguns anos atrás, vi um filme de John Carpenter chamado o nevoeiro, the fog no original. The mist, que em Portugal corre com o título – O nevoeiro misterioso (The mist) não é ao que julgava um remake do filme de jc. Escrito por debra hill, the fog pouco ou nada tem a ver com este, adaptado do mestre stephen king. Hoje é fácil criar seres fantásticos mas em 1980 ainda estávamos a uma distancia considerável do que se conseguiu depois de jurassic park de modo que enquanto o filme de carpenter opta por esconder no nevoeiro os espíritos que este traz, o de frank darabont não se coíbe de os mostrar. O terror psicológico é porém comum aos dois.









E em ambos está muito bem conseguido. Contudo darabont não avança muito mais que carpenter. A tensão entre seres humanos que são obrigados a viverem uma situaçãoperigo remete-nos para os filmes catástrofe dos anos setenta e também para trabalhos como o filme o voo da phenix curiosamente também com dennis quaid e se quisermos para mais recentes como a série televisiva lost. Aqui adiciona-se o sobrenatural e a uma fórmula de sucesso ningém resiste. E Darabont é um bom profissional que sabe o que está a fazer. Para além disso já é veterano em adaptações de Stephen King como «Os Condenados de Shawshank» (1994), «À Espera de Um Milagre» (1998)


Sinopse
Depois de uma violenta tempestade assolar uma cidade em Maine, um nevoeiro cerrado instala-se na manhã seguinte. À medida que o nevoeiro envolve a área, um grupo de pessoas fica preso numa mercearia local. Entre eles está David Drayton e o seu filho de 5 anos. Em breve as pessoas apercebem-se que dentro do nevoeiro residem numerosas espécies horrendas, criaturas horríveis que entraram através de um canal inter-dimensional criado por uma base militar. O mundo à volta destas pessoas rapidamente se torna num autêntico inferno na terra, enquanto estes tentam desesperadamente sobreviver a esta catástrofe apocalíptica.

The Mist
Género: Suspense
Actores: Laurie Holden, Marcia Gay Harden, Thomas Jane, William Sadler
Frank Darabont
127 min
2007 / Estados Unidos

“Vista pela Última Vez”, excelente estreia de Ben Affleck na realização

“Vista pela Última Vez”, excelente estreia de Ben Affleck na realização
Maria das Mercês Pacheco


Devo confessar que nunca fiquei muito impressionada com a capacidade de representação de Ben Affleck: um pouco morno. Ao contrário do irmão, Casey, cujas subtileza e ambiguidade são completamente envolventes. Mas, como realizador, Affleck revela um talento auspicioso. Baseado num romance de Dennis Lehane (o autor de “Mystic River”), “Vista pela Última Vez” anda à volta do desaparecimento de crianças, sendo na altura comentada, em Portugal, a semelhança com o caso de Maddie McCann. Mera coincidência, pois o romance “Gone Baby Gone” foi publicado em 1998.
Sem querer contar muito do enredo, destaco momentos marcantes da obra. A abrir o filme, uma panorâmica de zonas menos atraentes da fantástica cidade de Boston, acompanhada pela voz roufenha de Casey Affleck, personagem principal e detective; «I find the people who started in the cracks and then fell through» é uma frase lapidar que dá o tom a todo o filme; ao longo do filme, inegáveis ecos do melhor de “Mystic River”; a dinâmica da filmagem; o papel da religião católica, o peso da culpa, a leveza da fé; o conflito entre o certo e o errado.









Para além de Casey Affleck, é impressionante a interpretação de Amy Ryan, mãe da criança desaparecida e viciada em cocaína; e um prazer rever os veteranos Morgan Freeman, Ed Harris e John Ashton.
“Vista pela Última Vez” recebeu diversos prémios de realização e de interpretação, recompensando os trabalhos dos manos Affleck e de Amy Ryan. Merecidamente.


Sinopse

baseado no romance de Dennis Lehane (Mystic River) e adaptado para o ecrã por Affleck e Aaron Stockard, o filme conta a história de dois detectives privados que procuram uma menina de 4 anos, raptada no bairro mais degradado no sub-mundo de Boston.
A história, baseada no romance de homónimo de Dennis Lehane, autor de "Mystic River", foi adaptada para o ecrã por Ben Affleck e Aaron Stockard.
O filme centra-se na tarefa difícil de um casal de detectives, Patrick Kenzie e Angela Gennaro, a quem a tia entrega a missão de descobrir o paradeiro de Amanda McCready, uma menina de 4 anos, raptada no bairro mais problemático do submundo de Boston, enquanto estava sozinha em casa.


Apesar de os dois detectives serem especialistas em cobrança de dívidas, a familiar acredita que eles são fundamentais já que vivem no bairro e conhecem-no bem.

À medida que estes investigam vão percebendo que nada é o que parece e que a polícia e os marginais se entrecruzam, num mundo em que afinal todos podem ser culpados.



Ficha Técnica:
Realização de Ben Affleck; interpretação de Casey Affleck, Michelle Monaghan, Morgan Freeman, Ed Harris, John Ashton, Amy Ryan, Amy Madigan; baseado num romance de Dennis Lehane.

quarta-feira, 9 de abril de 2008

segunda-feira, 7 de abril de 2008


Dvd

STONED de Stephen Wooley

Um pedrado no charco


Terá Brian Jones, provavelmente o mais talentoso Rolling Stone, sido assassinado? Não se sabe mas essa teoria muito em voga no tempo em que o guitarrista e co-fundador dos Stones foi encontrado morto na sua piscina, é repescada por Stephen Wooley no seu filme Stoned.
O filme centra-se nos sete anos que decorreram desde a fundação dos Rolling Stones até à morte de Jones, traçando um retrato muito imperfeito do músico . Wooley consegue no entanto retratar muito bem a época em que decorre a trama, praticamente todos os anos sessenta.
Um filme que pode interessar.
MR

Título Original:
"Stoned" (2005)

Realização:
Stephen Woolley

Argumento:
Neal Purvis & Robert Wade

Actores:
Leo Gregory - Brian Jones
Paddy Considine - Frank Thorogood
David Morrissey - Tom Keylock
Ben Whishaw - Keith Richards



Indie Lisboa
Premiados em Ponta Delgada




O IndieLisboa 2008 – Festival Internacional de Cinema Independente de Lisboa recebeu cerca de 3 000 filmes a concurso e abre oficialmente no dia 24 de Abril com o filme «My Blueberry Nights», do realizador Wong Kar Wai. Do mesmo realizador de «2046», «Chungking Express» ou «In the Mood for Love», «My Blueberry Nights» conta com um naipe de actores consagrados (Jude Law, David Strathairn, Rachel Weisz e Natalie Portman) e com Norah Jones no papel principal. O filme mostra-nos uma jovem mulher que parte em busca de si mesma, depois de um desgosto amoroso. A sua demanda leva-la-á a conhecer e envolver-se com outras realidades, mostrando-lhe outros caminhos e, sobretudo, o seu novo rumo.
No final de Maio Ponta Delgada, pela mão da Cima associação cultural poderá ver os trabalhos premiados do Indie Lisboa.




Esboço de Almodôvar enquanto jovem autor





Reconhecem-se nos filmes mais remotos de Pedro Almodôvar, nomeadamente Pepi, Luci, Bom e Outras Raparigas como a Mamã, de 1980, algumas características do cinema almodovariano . O futuro realizador mudara-se da sua Mancha natal para Madrid em 1968 e a a partir de 1972 começa a fazer filmes em super 8. Tornou-se conhecido no ambiente underground madrileno, la movida, e também noutras cidades como Barcelona,, aonde se deslocava para apresentar os seus trabalhos.
Ao cinema conceptual da época, o espanhol contrapunha cinema mais narrativo o que o levava a ser desconsiderado por críticos e realizadores de super 8 para quem contar uma história pelo cinema era qualquer coisa de muito arcaico.
Em Conversas com Pedro Almodôvar de Frédéric Strauss, editado em Portugal pela 90 Graus Editora o realizador fala desse tempo: “ Nós filmávamos sem qualquer equipamento técnico, sempre com luz natural e a rodagem tornava-se uma festa entre amigos, em que cada um assaltava os roupeiros da mãe ou da irmã para fazer o seu próprio guarda-roupa.”
Espero esse pequeno excerto ajude a inspirar e consolidar um movimento de cinema alternativo que já pontualmente se manifesta aqui na região. Torna-se importante seguirmos os percursos dalguns, hoje, conceituados realizadores. Há muito a aprender.

Mário Roberto

TV

Reposição
Crónica de Gente Esquecida de Mário Ferreira Mendes


Numa pequena comunidade piscatória açoriana vive José Garanha, afundado em frustações passadas e desesperos presentes, que afoga em bebida e brutaliza a mulher, Ludovina, mãe de sete filhos e à espera de outro,todos eles fruto de desejo animal e de aguardente barata. A sogra, Augusta, que foi, também ela, casada com o mar mais de 40 anos e lhe conhece as fúrias e as traições, é a única capaz de fazer-lhe frente, mas nem ela consegue evitar uma miséria nascida de dinheiro mal gerido e princípios morais atrofiados. À volta deles existem, mais do que vivem, homens e mulheres parados no tempo e presos no espaço, trabalhando o mar em condições da mesma forma que fizeram os que viveram antes deles, naufragados em promessas antes de naufragarem no mar, esquecidos por todos quantos tinham o dever de lembrar-se deles.
RTP- Açores 1999
136minutos
Argumento Armando Medeiros
Fotografia: Fernando PontesMúsica: Carlos Frazão (Direcção Musical)Cenografia: Carlos Eduardo FerreiraCom Belarmino Ramos, Maria Bifa, Natália Marcelino e Luis Simas.

Emile Hirsch


Emile Hirsch



Óptimo em Into the Wild de Sean Penn entra em Speed Racer dos irmão Wachovsky e Milk de Gus von Sant , por estrear. Promete uma carreira fulgurante.

Os falsificadores - (The conterfeiters de Stefan Ruzovitz)ky


Nos bastidores da guerra


Cine solmar



Acreditem ou não este filme não é uma falsificação


Pelo segundo ano consecutivo, é um filme de produção alemã que recebe o galardão da Academia para Melhor Filme Estrangeiro: “As Vidas dos Outros”, em 2007, e “Os Falsificadores”, em 2008.
Das muitas histórias de bastidores que marcaram a II Grande Guerra, a da contrafacção em larga escala de libras e dólares para não só subsidiar os cofres alemães mas também minar as economias dos países aliados tornou-se conhecida através do relato escrito de um dos participantes – Adolf Burger, especialista em colotipia. O nome da operação? Bernhard. O filme começa pouco tempo depois do fim da guerra, em Monte Carlo, onde um homem com um fato muito usado e uma maleta cheia de dinheiro vive como se aquele fosse o último dia. Retrospectivamente, ficamos a conhecer a vida aventurosa de Salomon Sorowitz, mestre falsificador, cujo lema é ganhar dinheiro através da produção de dinheiro. A vida corre-lhe bem até que é preso e enviado para Mauthausen; aí, as capacidades artísticas valem-lhe, 5 anos depois, a integração em e liderança de um grupo de falsificadores no campo de Sachsenhausen, no ano de 1944. São bem tratados pelo comandante alemão, que até lhes oferece uma mesa de pingue-pongue, mas o que ouvem do outro lado do tabique é o suficiente para não esquecerem o horror da guerra. “Os Falsificadores” é um excelente e emocionante drama sobre escolhas morais feitas por homens em condições extremas.

Maria das Mercês Pacheco





Sinopse

2ª Grande Guerra, Quando os alemães perceberam que o fim estava perto, as autoridades decidiram produzir notas na moeda dos seus principais inimigos, esperando com isso inundar as economias destes.Para isso formou-se um comando ultra-secreto de falsificadores com prisioneiros dos campos de concentração.. Se colaborassem com o inimigo, tinham uma possibilidade de sobreviver, com o suficiente para comer e uma cama para dormir. Caso sabotassem a operação, uma morte certa os esperaria.

Ficha Técnica

Realização de Stefan Ruzovitzky, a partir da obra de Adolf Burger, com as actuações de Karl Markowics, August Diehl, Devid Striesow e Martin Brambach, entre outros. Produção alemã e austríaca.

Duas irmãs, um rei -Em grande mas não grande coisa




Duas irmãs disputam o amor do rei. Eu cá preferia um melhor filme.


“A correr a saltar os patinhos vão nadar”. Este trecho de velha canção infantil poderia até servir de slogan para este filme. É que o enredo desenrola-se ligeiro com uns saltinhos infantis pelo meio, as personagens são sumariamente delineadas, a trama embora viva de intrigas palacianas ( que costumam dar boas obras dramáticas que é o caso de Ligações Perigosas de Stephen Frears) não convence, os diálogos são duma linearidade confrangedora, os actores estão deslocados nos papéis, Eric Bana como Henrique VIII parece-se com Eric Bana a fazer de Henrique VIII quando deviam ressuscitar o truculento Charles Laughton(The Private Life of Henry VIII, 1933 de Alexander Korda). Como produção hollywoodesca aquilo é feito em grande o que não significa que resulte daí grande coisa. E vai uma pessoa perder duas horas do seu tempo que nem Scarlett Johanssen e Natalie Portman ou Kristin Scott-Thomas conseguem compensar. É muito triste.
Todavia não há senão sem bela. Para além das beldades há a assinalar a reconstituição de época que me parece, leigo na matéria, toda muito certinha mas nessas coisas só mesmo um especialista de olho clínico bem assestado poderá detectar alguma irregularidade. O guarda roupa também me pareceu muito bem. Ao menos não detectei nenhuma mala Louis Vuitton entre os adereços mas só faltava porque todo o ambiente do filme pode remeter-nos desembaraçadamente para qualquer intriga contemporânea, dessas muito badaladas pelas revistas cor-de-rosa. Pormenores à parte este trabalho poderá ter o mérito de chamar a atenção de quem não sabe para uma época particularmente agitada da história ocidental e para o modo como o sistema funcionava então. Poderão ficar surpreendidos por verificar que quase nada mudou.

Mário Roberto





Sinopse

As irmãs Ana e Maria Bolena, são manipuladas pelos seus pai e tio para reforçar o poder e status da família, através da conquista dos favores do Rei de Inglaterra. Maria ganha os favores de Henrique VIII e torna-se sua amante, dando-lhe dois filhos ilegítimos. Mas Ana consegue afastar tanto a irmã como a Rainha Catarina de Aragão, ambicionando ficar no lugar desta última. Enquanto as irmãs Bolena lutam pelo amor do Rei - uma levada pela ambição, outra pela afeição genuína – a Inglaterra divide-se. Apesar das dramáticas consequências, as irmãs acabam por descobrir força e lealdade uma na outra


Ficha técnica

The Other Boleyn Girl
Baseado no best-seller de Phillipa Gregory
Drama
Com Eric Bana, Natalie Portman, Scarlett Johansson
Realização de Justin Chadwick
115 min
2008 / Reino Unido

segunda-feira, 24 de março de 2008

sábado, 22 de março de 2008

Por um olhar cinematográfico

Não é meramente por acaso que surge esta secção neste jornal. Tudo se conjuga para que se inicie uma busca, que espero ser frutífera, por uma cultura cinematográfica exígua, pelo menos em S. Miguel, perdoem-me alguma dose de pretensiosismo. Gostar de cinema não significa apenas assistir às estreias dos filmes mais falados, dos que ganharam os Óscares, dos que mais lucros obtiveram. É mais profundo do que isso. E é para conduzir as pessoas a esse abismo infinito e maravilhoso que é o mundo do cinema que eu, apoiado por um grupo de amigos e entusiastas desta coisas, me propus levar em frente este pequeno, mas que se quer ousado, empreendimento. Desde a riquíssima história do cinema, cujo espólio inclui tanto blockbusters como filmes independentes de baixo orçamento, até à critica de filmes recentes, comerciais ou não, a equipa flutuante que construirá todas as semanas esta secção, tentará guiar os leitores na escolha das melhores opções e sobretudo na aprendizagem ( porque é disso mesmo que se trata) dum verdadeiro olhar cinematográfico. Esse olhar não deverá porém ser passivo. Gostaríamos de ajudar a fomentar a produção de trabalhos nesta área. Há inúmeros concursos de vídeo, uma forma de cinema acessível a grande parte das bolsas. Para se fazer um grande filme não é preciso um orçamento milionário, Há associações culturais em S. Miguel e noutras ilhas da região preocupadas com isso. Iremos também divulgar o seu trabalho. Por enquanto não deixem de dar uma vista de olhos a CINEMA.
Mário Roberto

“Sedução, Conspiração” de Ang Lee



O filme abre com uma sessão de «Mah Jong» em Xangai, 1942.
Não é por acaso. “Se se prestar atenção, nada é trivial”, diz uma das personagens. Xangai foi uma das cidades mais misteriosas e atraentes do mundo (facto, aliás, bem presente neste livro de Eileen Chang, ponto de partida para o filme) durante cerca de 100 anos; a ela aportaram actores, escritores, artistas, até que, com a invasão japonesa dos anos 40, Xangai perdeu o brilho e teve um fim trágico. O jogo de «Mah Jong» é um jogo de paciência e atenção, um jogo feito de rituais complexos e engenho oriental.
E é neste ambiente carregado de simbologia que Mrs. Mak (na verdade, Chih-ying Chu, jovem Mata-Hari ao serviço da resistência chinesa com o objectivo de eliminar Yee) cruza olhares com Mr. Yee, chefe dos brutais serviços secretos japoneses. Pouco depois tornam-se amantes, desenvolvendo uma relação de obsessão sexual agravada pela tendência sadomasoquista de Yee e o fascínio que tudo isto tem para Chih-ying Chu. Pois eles não são apenas amantes ilícitos com propósitos escondidos, eles são personagens que – tal como em “O Segredo de Brokeback Mountain” – procuram chegar ao âmago das suas naturezas, mesmo que isso implique transgredirem os cânones da sociedade.
Criticado por ser longo, por ter cenas de sexo declarado, por parecer ter perdido o fio narrativo, “Sedução, Conspiração” conquistou o Leão de Ouro de Veneza e a admiração de milhares de espectadores em todo o mundo pela perfeição da cinematografia, a beleza gráfica do amor físico (e justiça seja feita a Ang Lee, nas cenas de nu frontal não há falsos pudores!), a riqueza dos diálogos, os desempenhos de Tony Leung Chiu Wai, Joan Chen e Wei Tang, e a tensão crescente da história. É como se se estivesse dentro de uma estufa, um langor que sufoca e anestesia a razão. A “Sedução, Conspiração” muitos reparos se poderão fazer, mas isto não se pode negar: é uma obra impressionante sobre alianças distorcidas, inocência corrompida e a busca do que de mais íntimo existe em cada um de nós. E só um grande realizador poderia fazê-lo. Sem cedências.
Maria das Mercês Pacheco

Indie Lisboa em Ponta Delgada


O documentário é um exemplo do estilo engagé em cinema. E, a propósito da extensão do Doc Lisboa, é sobre ele que nos debruçamos.
Engagé é o termo utilizado para designar um género cinematográfico que se caracteriza por ser cúmplice com o seu objecto, por tomá-lo como matéria a denunciar, a reflectir, a lembrar. Mais realistas ou mais ficcionados, os filmes engagé tomam como objecto acontecimentos reais, questões sociais, humanas, políticas, questões às quais não podemos virar as costas, embora tantas vezes o façamos.
A extensão do Doc Lisboa, decorrida no Teatro Micaelense de 20 a 23 de Fevereiro, abriu e encerrou com chave de ouro. “A Casa do Barqueiro”, de Jorge Murteira (Portugal, 2007, 60’), retrata o quotidiano de Paulino, o barqueiro da Amieira do Tejo, que assegura a travessia do rio para quem quer apanhar o comboio. Reclama uma casa com melhores condições que a barraca onde se abriga da chuva e do frio. A casa nova só aparece depois de Paulino ter uma trombose e se aposentar. “Agora já não há barqueiro e a nova casa continua por estrear.” O autor não precisa de entrevistar responsáveis autárquicos, como se de uma reportagem se tratasse, o importante é sentirmos o que vive dia a dia o Sr. Paulino, sermos capazes de nos colocarmos no seu lugar, e é isso que o autor consegue com uma câmara transparente, invisível para o público, uma câmara que não intervém.
Transparente é também a câmara de Tahani Rached, autora de “These Girls” (Egipto, 2006, 65’), uma viagem ao universo de violência, medo e liberdade das adolescentes (mulheres/mães/crianças) que vivem nas ruas do Cairo. O preconceito social vem de todos os lados e deixa-as numa situação marginal irreversível. Os seus depoimentos são de uma profundidade extraordinária, que revela uma reflexão sistemática e quase permanente sobre o sistema que as estigmatiza. O seu comportamento não demonstra qualquer tipo de desistência, amargura e tristeza sim, mas não submissão ou miserabilismo, pelo contrário, revela-nos a luta diária individual e do grupo. Para estas raparigas a câmara de Tahani Rached não é invisível, é sua aliada e, por isso, se expõem por completo à sua frente.
Esta forma não interventiva de filmar não é neutral, mas cúmplice e crítica, compromete-se com as raparigas e os Paulinos a contar a sua história, tentando com isso acordar consciências, abanar sociedades e criticar instituições.
SARA SEABRA

De expiação em expiação: um crime, várias leituras



Ian McEwan teve a ideia e pô-la em livro: uma rapariga de 13 anos, com uma imaginação fértil e uma propensão para a escrita criativa, comete um crime com as mesmas armas com que dissipa a impaciência, combate a inexperiência (próprias da idade) e faz a vida acontecer segundo o seu próprio gosto e expectativas: as palavras e o silêncio dotado de significação. Este crime é a resposta de Briony à forma como a vida real parece roubar o esplendor da ficção e terá repercussões trágicas que ela, anos mais tarde, tratará de exorcizar através de uma dinâmica de expiação auto-imposta.
Joe Wright transpôs a ideia de McEwan para o cinema e reproduziu bem a atmosfera histórica e ficcional da narrativa. Não se espera de uma versão cinematográfica simetria com a versão escrita. Espera-se tradução intersemiótica, isto é, transferência de uma mensagem de um sistema de representação para outro. À partida, o cinema constitui uma promessa de representação inultrapassável ao congregar três das principais espécies de imagens: visuais, verbais e acústicas. Alguns filmes conseguem realizar em pleno a representação nestes três planos. No meu entender, Expiação está perto de o conseguir plenamente, encontrando-se especialmente bem em termos de sonoplastia.
A sobreposição quase ao longo de todo o filme, com especial incidência nos momentos de maior intensidade dramática, do som de uma máquina de escrever, marcando com o seu compasso vivo e forte, a marcha do tempo e das emoções, é um dos aspectos positivos do filme. Aliás, toda a banda sonora aposta numa sonoridade sincopada que se adequa perfeitamente à sugestão de passagem irremediável do tempo, de fragmentação e perdas sucessivas que atingem Briony, Cecilia, os irmãos Quincey, Grace e Robbie. Reside aqui uma prova de como a versão cinematográfica consegue captar e transmitir um dos traços basilares do livro através dos seus próprios recursos, traduzindo, de forma irrepreensível, a presença envolvente da escrita criativa e da imaginação na qual ela se baseia, a sua interpenetração na realidade, a colisão de dramas reais com ficções inventadas e todas as consequências que daí resultam: a dissipação da fronteira entre a verdade e a mentira, o apelo permanente da criação, a indagação sobre a natureza humana.
É na personagem de Briony que estes universos se fundem e ampliam, agigantados pela imaginação exuberante de uma adolescente que, habitada pelo ímpeto criativo, é o eixo da revelação incompleta, da interpretação frustrada e da atracção pelo urdir ficcional. “Expiação” é também o livro dentro do livro com que a Briony dos últimos dias recria e dá a conhecer o passado. Justa omnipresença, portanto, da imagem sonora daquele que o filme elege como símbolo maior da ficção, em total sintonia com a mensagem de McEwan.
Igualmente bem estão as imagens visuais. Selectivas e poderosas representam os interiores e exteriores do período que rodeia a II Guerra Mundial. Não são comparáveis, porém, à força de algumas da imagens mentais que o livro suscita, como quando Briony fustiga as urtigas, por exemplo, ou quando, fragilmente humana, não está à altura da punição que escolheu para si na qualidade de enfermeira em tempo de guerra. Falta-lhe ainda a sequencialidade que, no livro, é natural e fluida. Mas é sobretudo ao nível das imagens verbais que o filme fica aquém da versão literária. Incompletudes que nos deixam com a nostalgia do que sabemos que já não virá e, muito especialmente, a profundidade da escrita de McEwan a abranger emoções, pensamentos, visões, angústias que dificilmente são traduzidas em imagens e diálogos impedem que Expiação, o filme, esteja no mesmo patamar de Expiação, o livro.
Todavia, algumas interpretações – destaque para James McAvoy (Robbie) e Saoirse Ronan (Briony adolescente) –, a banda sonora, a reconstituição dos espaços e, sobretudo, a homenagem ao poder da escrita, elementos nucleares do livro, estão no filme de Joe Wright e redimem-no de outros delitos, certamente pequenos em comparação com os aspectos positivos que apresenta.
É certo que um guião cinematográfico não pode nunca abarcar a totalidade de um grande romance. Por isso acabarei dizendo que, se não tivesse lido o livro, teria gostado muito mais do filme. Mas li-o. E isso fez toda a diferença.

Outro crime

Uma palavra final para uma outra espécie de crime: o péssimo funcionamento das salas Castello Lopes. No dia em que fui ver o filme, a sala não estava preparada para acolher os espectadores 5 minutos antes da hora prevista para a projecção. Inquiridos os funcionários da bilheteira e bar sobre se sempre haveria projecção, finalmente recordaram-se de que alguém reparava o pavimento dos degraus e um deles foi apressadamente à sala interromper os trabalhos. Apesar de resolvida esta situação, as luzes continuavam acesas e nada de novo se passava, porque o projeccionista estava em paradeiro incerto e de telemóvel desligado. Feitas as contas, o filme começou 20 minutos depois da hora anunciada. Uma espectadora teve de sair antes do fim do visionamento para cumprir com os seus compromissos e eu estive à beira de um ataque de fúria. Que expiação haverá para isto?
LEONOR SAMPAIO

terça-feira, 11 de março de 2008

Algumas breves palavras

Este é um blog sobre hortofloricultura e como tal ocupar-se-à de cinema. E isto porque nos Açores não há hortofloricultura mas sim cinema que como os melões, as cenouras, as bananas e os gatos persas é importado doutras paragens do globo terrestre, nomeadamente S. Tomé e Príncipe e o Burkina Faso.