segunda-feira, 24 de março de 2008

sábado, 22 de março de 2008

Por um olhar cinematográfico

Não é meramente por acaso que surge esta secção neste jornal. Tudo se conjuga para que se inicie uma busca, que espero ser frutífera, por uma cultura cinematográfica exígua, pelo menos em S. Miguel, perdoem-me alguma dose de pretensiosismo. Gostar de cinema não significa apenas assistir às estreias dos filmes mais falados, dos que ganharam os Óscares, dos que mais lucros obtiveram. É mais profundo do que isso. E é para conduzir as pessoas a esse abismo infinito e maravilhoso que é o mundo do cinema que eu, apoiado por um grupo de amigos e entusiastas desta coisas, me propus levar em frente este pequeno, mas que se quer ousado, empreendimento. Desde a riquíssima história do cinema, cujo espólio inclui tanto blockbusters como filmes independentes de baixo orçamento, até à critica de filmes recentes, comerciais ou não, a equipa flutuante que construirá todas as semanas esta secção, tentará guiar os leitores na escolha das melhores opções e sobretudo na aprendizagem ( porque é disso mesmo que se trata) dum verdadeiro olhar cinematográfico. Esse olhar não deverá porém ser passivo. Gostaríamos de ajudar a fomentar a produção de trabalhos nesta área. Há inúmeros concursos de vídeo, uma forma de cinema acessível a grande parte das bolsas. Para se fazer um grande filme não é preciso um orçamento milionário, Há associações culturais em S. Miguel e noutras ilhas da região preocupadas com isso. Iremos também divulgar o seu trabalho. Por enquanto não deixem de dar uma vista de olhos a CINEMA.
Mário Roberto

“Sedução, Conspiração” de Ang Lee



O filme abre com uma sessão de «Mah Jong» em Xangai, 1942.
Não é por acaso. “Se se prestar atenção, nada é trivial”, diz uma das personagens. Xangai foi uma das cidades mais misteriosas e atraentes do mundo (facto, aliás, bem presente neste livro de Eileen Chang, ponto de partida para o filme) durante cerca de 100 anos; a ela aportaram actores, escritores, artistas, até que, com a invasão japonesa dos anos 40, Xangai perdeu o brilho e teve um fim trágico. O jogo de «Mah Jong» é um jogo de paciência e atenção, um jogo feito de rituais complexos e engenho oriental.
E é neste ambiente carregado de simbologia que Mrs. Mak (na verdade, Chih-ying Chu, jovem Mata-Hari ao serviço da resistência chinesa com o objectivo de eliminar Yee) cruza olhares com Mr. Yee, chefe dos brutais serviços secretos japoneses. Pouco depois tornam-se amantes, desenvolvendo uma relação de obsessão sexual agravada pela tendência sadomasoquista de Yee e o fascínio que tudo isto tem para Chih-ying Chu. Pois eles não são apenas amantes ilícitos com propósitos escondidos, eles são personagens que – tal como em “O Segredo de Brokeback Mountain” – procuram chegar ao âmago das suas naturezas, mesmo que isso implique transgredirem os cânones da sociedade.
Criticado por ser longo, por ter cenas de sexo declarado, por parecer ter perdido o fio narrativo, “Sedução, Conspiração” conquistou o Leão de Ouro de Veneza e a admiração de milhares de espectadores em todo o mundo pela perfeição da cinematografia, a beleza gráfica do amor físico (e justiça seja feita a Ang Lee, nas cenas de nu frontal não há falsos pudores!), a riqueza dos diálogos, os desempenhos de Tony Leung Chiu Wai, Joan Chen e Wei Tang, e a tensão crescente da história. É como se se estivesse dentro de uma estufa, um langor que sufoca e anestesia a razão. A “Sedução, Conspiração” muitos reparos se poderão fazer, mas isto não se pode negar: é uma obra impressionante sobre alianças distorcidas, inocência corrompida e a busca do que de mais íntimo existe em cada um de nós. E só um grande realizador poderia fazê-lo. Sem cedências.
Maria das Mercês Pacheco

Indie Lisboa em Ponta Delgada


O documentário é um exemplo do estilo engagé em cinema. E, a propósito da extensão do Doc Lisboa, é sobre ele que nos debruçamos.
Engagé é o termo utilizado para designar um género cinematográfico que se caracteriza por ser cúmplice com o seu objecto, por tomá-lo como matéria a denunciar, a reflectir, a lembrar. Mais realistas ou mais ficcionados, os filmes engagé tomam como objecto acontecimentos reais, questões sociais, humanas, políticas, questões às quais não podemos virar as costas, embora tantas vezes o façamos.
A extensão do Doc Lisboa, decorrida no Teatro Micaelense de 20 a 23 de Fevereiro, abriu e encerrou com chave de ouro. “A Casa do Barqueiro”, de Jorge Murteira (Portugal, 2007, 60’), retrata o quotidiano de Paulino, o barqueiro da Amieira do Tejo, que assegura a travessia do rio para quem quer apanhar o comboio. Reclama uma casa com melhores condições que a barraca onde se abriga da chuva e do frio. A casa nova só aparece depois de Paulino ter uma trombose e se aposentar. “Agora já não há barqueiro e a nova casa continua por estrear.” O autor não precisa de entrevistar responsáveis autárquicos, como se de uma reportagem se tratasse, o importante é sentirmos o que vive dia a dia o Sr. Paulino, sermos capazes de nos colocarmos no seu lugar, e é isso que o autor consegue com uma câmara transparente, invisível para o público, uma câmara que não intervém.
Transparente é também a câmara de Tahani Rached, autora de “These Girls” (Egipto, 2006, 65’), uma viagem ao universo de violência, medo e liberdade das adolescentes (mulheres/mães/crianças) que vivem nas ruas do Cairo. O preconceito social vem de todos os lados e deixa-as numa situação marginal irreversível. Os seus depoimentos são de uma profundidade extraordinária, que revela uma reflexão sistemática e quase permanente sobre o sistema que as estigmatiza. O seu comportamento não demonstra qualquer tipo de desistência, amargura e tristeza sim, mas não submissão ou miserabilismo, pelo contrário, revela-nos a luta diária individual e do grupo. Para estas raparigas a câmara de Tahani Rached não é invisível, é sua aliada e, por isso, se expõem por completo à sua frente.
Esta forma não interventiva de filmar não é neutral, mas cúmplice e crítica, compromete-se com as raparigas e os Paulinos a contar a sua história, tentando com isso acordar consciências, abanar sociedades e criticar instituições.
SARA SEABRA

De expiação em expiação: um crime, várias leituras



Ian McEwan teve a ideia e pô-la em livro: uma rapariga de 13 anos, com uma imaginação fértil e uma propensão para a escrita criativa, comete um crime com as mesmas armas com que dissipa a impaciência, combate a inexperiência (próprias da idade) e faz a vida acontecer segundo o seu próprio gosto e expectativas: as palavras e o silêncio dotado de significação. Este crime é a resposta de Briony à forma como a vida real parece roubar o esplendor da ficção e terá repercussões trágicas que ela, anos mais tarde, tratará de exorcizar através de uma dinâmica de expiação auto-imposta.
Joe Wright transpôs a ideia de McEwan para o cinema e reproduziu bem a atmosfera histórica e ficcional da narrativa. Não se espera de uma versão cinematográfica simetria com a versão escrita. Espera-se tradução intersemiótica, isto é, transferência de uma mensagem de um sistema de representação para outro. À partida, o cinema constitui uma promessa de representação inultrapassável ao congregar três das principais espécies de imagens: visuais, verbais e acústicas. Alguns filmes conseguem realizar em pleno a representação nestes três planos. No meu entender, Expiação está perto de o conseguir plenamente, encontrando-se especialmente bem em termos de sonoplastia.
A sobreposição quase ao longo de todo o filme, com especial incidência nos momentos de maior intensidade dramática, do som de uma máquina de escrever, marcando com o seu compasso vivo e forte, a marcha do tempo e das emoções, é um dos aspectos positivos do filme. Aliás, toda a banda sonora aposta numa sonoridade sincopada que se adequa perfeitamente à sugestão de passagem irremediável do tempo, de fragmentação e perdas sucessivas que atingem Briony, Cecilia, os irmãos Quincey, Grace e Robbie. Reside aqui uma prova de como a versão cinematográfica consegue captar e transmitir um dos traços basilares do livro através dos seus próprios recursos, traduzindo, de forma irrepreensível, a presença envolvente da escrita criativa e da imaginação na qual ela se baseia, a sua interpenetração na realidade, a colisão de dramas reais com ficções inventadas e todas as consequências que daí resultam: a dissipação da fronteira entre a verdade e a mentira, o apelo permanente da criação, a indagação sobre a natureza humana.
É na personagem de Briony que estes universos se fundem e ampliam, agigantados pela imaginação exuberante de uma adolescente que, habitada pelo ímpeto criativo, é o eixo da revelação incompleta, da interpretação frustrada e da atracção pelo urdir ficcional. “Expiação” é também o livro dentro do livro com que a Briony dos últimos dias recria e dá a conhecer o passado. Justa omnipresença, portanto, da imagem sonora daquele que o filme elege como símbolo maior da ficção, em total sintonia com a mensagem de McEwan.
Igualmente bem estão as imagens visuais. Selectivas e poderosas representam os interiores e exteriores do período que rodeia a II Guerra Mundial. Não são comparáveis, porém, à força de algumas da imagens mentais que o livro suscita, como quando Briony fustiga as urtigas, por exemplo, ou quando, fragilmente humana, não está à altura da punição que escolheu para si na qualidade de enfermeira em tempo de guerra. Falta-lhe ainda a sequencialidade que, no livro, é natural e fluida. Mas é sobretudo ao nível das imagens verbais que o filme fica aquém da versão literária. Incompletudes que nos deixam com a nostalgia do que sabemos que já não virá e, muito especialmente, a profundidade da escrita de McEwan a abranger emoções, pensamentos, visões, angústias que dificilmente são traduzidas em imagens e diálogos impedem que Expiação, o filme, esteja no mesmo patamar de Expiação, o livro.
Todavia, algumas interpretações – destaque para James McAvoy (Robbie) e Saoirse Ronan (Briony adolescente) –, a banda sonora, a reconstituição dos espaços e, sobretudo, a homenagem ao poder da escrita, elementos nucleares do livro, estão no filme de Joe Wright e redimem-no de outros delitos, certamente pequenos em comparação com os aspectos positivos que apresenta.
É certo que um guião cinematográfico não pode nunca abarcar a totalidade de um grande romance. Por isso acabarei dizendo que, se não tivesse lido o livro, teria gostado muito mais do filme. Mas li-o. E isso fez toda a diferença.

Outro crime

Uma palavra final para uma outra espécie de crime: o péssimo funcionamento das salas Castello Lopes. No dia em que fui ver o filme, a sala não estava preparada para acolher os espectadores 5 minutos antes da hora prevista para a projecção. Inquiridos os funcionários da bilheteira e bar sobre se sempre haveria projecção, finalmente recordaram-se de que alguém reparava o pavimento dos degraus e um deles foi apressadamente à sala interromper os trabalhos. Apesar de resolvida esta situação, as luzes continuavam acesas e nada de novo se passava, porque o projeccionista estava em paradeiro incerto e de telemóvel desligado. Feitas as contas, o filme começou 20 minutos depois da hora anunciada. Uma espectadora teve de sair antes do fim do visionamento para cumprir com os seus compromissos e eu estive à beira de um ataque de fúria. Que expiação haverá para isto?
LEONOR SAMPAIO

terça-feira, 11 de março de 2008

Algumas breves palavras

Este é um blog sobre hortofloricultura e como tal ocupar-se-à de cinema. E isto porque nos Açores não há hortofloricultura mas sim cinema que como os melões, as cenouras, as bananas e os gatos persas é importado doutras paragens do globo terrestre, nomeadamente S. Tomé e Príncipe e o Burkina Faso.